quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Capote

“Há mais corações feridos por preces atendidas do que por preces não atendidas.” (Teresa de Ávila)

Numa noite de 1959 uma família de quatro pessoas é brutalmente assassinada com tiros de caçadeira na cara.
O escritor Truman Capote decide escrever alguns artigos para a revista The New Yorker. Após ter conhecido os assassinos, Capote decide escrever um livro sobre o caso.
Truman reconhece-se a si mesmo no assassino Perry Smith. Olha para a vida de ambos como tendo sido vivida numa mesma casa. Capote saiu pela porta da frente. Tornou-se um escritor famoso e polemista. Caiu no desejo de que os assassinos fossem executados para poder finalmente acabar o livro. Morreu afogado no remorso de não ter feito o que devia. Smith saiu pela porta de trás. Tornou-se assassino. Morreu na forca. Duas personagens, duas faces de uma mesma moeda, de uma mesma necessidade de reconhecimento.
Tanto Capote, como Smith mais não procuram do que reconhecimento. Capote vive a procura de reconhecimento num narcisismo desmesurado. Alimenta a necessidade de reconhecimento em longos serões de que se torna o centro das atenções. Smith sente-se importante no medo que gera no chefe de família de quem assalta a casa e, apesar de toda a vergonha que sente, acaba por proceder ao assassínio da família inteira.
Entre uma vida real e uma vida imaginária vivida na cabeça dos outros ambos tomam a mesma decisão. Ambos escolhem ocupar um lugar de destaque na cabeça dos outros. No caso de Smith há uma grande proximidade com a personagem principal de “O assassino de Richard Nixon”.

Lentes para Capote:
“§ 45 Procuramos ser objectos da memória, e assuntos da fama: o nosso fim é querermos, que se fale em nós, vindo a ser ambiciosos das palavras dos outros, e idólatras das narrações da história. Este delírio nos entrega à aplicação das letras (Capote), e nos inspira a inclinação das armas (Smith), como dous pólos, que guiam para uma fingida, e sonhada imortalidade. […].”
“§44 Não vivemos contentes, se a nossa vaidade não vive satisfeita […].”
Aires, Matias, Reflexões sobre a vaidade dos homens; INCM, Lisboa, 2005. (Sublinados meus).

“Não nos contentamos com a vida que temos em nós e no nosso próprio ser: queremos viver na ideia dos outros uma vida imaginária e esforçamo-nos por assim o parecer. Trabalhamos incessantemente para embelezar e conservar o nosso ser imaginário e descuramos o verdadeiro. E, se temos quer a tranquilidade, quer a generosidade, quer a fidelidade, apressamo-nos a dá-las a conhecer, afim de ligarmos essas virtudes ao nosso outro ser, e desligá-las-íamos de preferência de nós para a juntarmos ao outro. E de boa mente seríamos poltrões para adquirir a reputação de sermos valentes. Grande marca do vazio do nosso próprio ser, não estarmos satisfeitos com um sem o outro e trocarmos com frequência um pelo outro! Porque quem não morresse para conservar a sua honra seria infame.”
“Nous ne nous contentons pas de la vie que nous avons en nous et en notre propre être. Nous voulons vivre dans l'idée des autres d'une vie imaginaire, et nous nous efforçons pour cela de paraître. Nous travaillons incessamment à embellir et conserver notre être imaginaire, et négligeons le véritable. Et si nous avons ou la tranquillité ou la générosité ou la fidélité, nous nous empressons de le faire savoir afin d'attacher ces vertus-là à notre autre être et les détacherions plutôt de nous pour les joindre à l'autre. Nous serions de bon coeur poltrons pour en acquérir la réputation d'être vaillants. Grande marque du néant de notre propre être, de n'être pas satisfait de l'un sans l'autre, et d'échanger souvent l'un pour l'autre. Car qui ne mourrait pour conserver son honneur, celui-là serait infâme.” Pascal, Blaise, Pensées; Lafuma, Seuil, Paris, 1963. §806-147.
Sítio oficial:
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