Oficina de personagens
Em entradas anteriores tenho-me dedicado a olhar para as vontades de bem, poder e verdade enquanto constituintes de personagens humanas. É provável que estas três vontades mais não sejam do que derivações ou manifestações de uma vontade maior ou até mesmo de uma vontade total. Isto é, de uma vontade que seja a fonte de todas as vontades. Talvez possamos encontrar no conceito de cuidado-de-si, utilizado por Heidegger e depois por Foucault, entre outros, uma tal vontade total, uma vontade que contém em si as restantes e que é expressa pelas inúmeras acções, vícios, virtudes e emoções humanas.
Pois bem, à procura desta “vontade” ou “petição” total lá voltei a atenção para Rémi Brague no livro Aristote et la question du monde. Brague, instruído com a noção de “cuidado” de Heidegger, vai encontrar uma noção análoga em Aristóteles, a noção de “phrontizein”.
Ainda não me inteirei completamente do fenómeno. Mas, por intuição, e pelas aulas do Prof. Mário Jorge de Carvalho a que assisti nesta matéria, este cuidado-de-si procede de uma não-indiferença-a-si. Tentando trocar isto por miúdos, para mim e para o leitor, diria que cada um está embarcado no tratamento da sua vida, a cuidar de si, dos seus, da profissão e por aí fora. Estas acções com que nos preocupamos, em que nos ocupamos, que nos dão dores de cabeça, chatices, alegrias e bocejos são manifestações do nosso cuidado-de-si, da vontade de que parecem derivar todas as outras vontades, projectos e pensamentos.
Isto por si só já era bastante bom, mas a coisa não se ficou por aqui. Aristóteles estudou no segundo livro da Retórica um grande conjunto de emoções. Emoções ou paixões essas que não são mais do que lugares onde o cuidado-de-si se dá a ver.
Ao ler estes textos sinto que ando perto, senão do centro, pelo menos de um dos centros gravitacionais de toda a “identidade” humana.
Isto ainda não me serve para construir personagens, falta-me também o incontornável talento, a criação de situações e cenários. No entanto, se não souber fazer personagens, quem sabe se com estas e com outras leituras não acabo por avaliar melhor a consistência das mesmas? (Aproveitando ao mesmo tempo para avançar a redacção da tese).
Agora já é tarde, hora de dormir. Amanhã será dia de procurar pela análise das emoções nos textos de Aristóteles. Seguidamente, procurar transpor as investigações para Pascal e, quem sabe, um dia construir uma personagem, um monólogo ou até um pequeno guião.
Por fora a personagem poderá ser isso mesmo, uma máscara, uma aparência de um humano completo ou pelo menos com um carácter de possível existência. Lá por dentro não será mais do que um composto anatómico de cuidado-de-si, vontade de bem, poder, verdade, emoções e faculdades intelectuais. É a relação entre a pele, qual saco, e os órgãos, músculos, ossos e veias em que se sustenta a vida.
Entre outros factores ocultos, resta saber também o que é o autor no meio disto tudo.
Gravura: Anatomia do corpo humano, Juan Valverde de Amusco, Rome, 1559.
Pois bem, à procura desta “vontade” ou “petição” total lá voltei a atenção para Rémi Brague no livro Aristote et la question du monde. Brague, instruído com a noção de “cuidado” de Heidegger, vai encontrar uma noção análoga em Aristóteles, a noção de “phrontizein”.
Ainda não me inteirei completamente do fenómeno. Mas, por intuição, e pelas aulas do Prof. Mário Jorge de Carvalho a que assisti nesta matéria, este cuidado-de-si procede de uma não-indiferença-a-si. Tentando trocar isto por miúdos, para mim e para o leitor, diria que cada um está embarcado no tratamento da sua vida, a cuidar de si, dos seus, da profissão e por aí fora. Estas acções com que nos preocupamos, em que nos ocupamos, que nos dão dores de cabeça, chatices, alegrias e bocejos são manifestações do nosso cuidado-de-si, da vontade de que parecem derivar todas as outras vontades, projectos e pensamentos.
Isto por si só já era bastante bom, mas a coisa não se ficou por aqui. Aristóteles estudou no segundo livro da Retórica um grande conjunto de emoções. Emoções ou paixões essas que não são mais do que lugares onde o cuidado-de-si se dá a ver.
Ao ler estes textos sinto que ando perto, senão do centro, pelo menos de um dos centros gravitacionais de toda a “identidade” humana.
Isto ainda não me serve para construir personagens, falta-me também o incontornável talento, a criação de situações e cenários. No entanto, se não souber fazer personagens, quem sabe se com estas e com outras leituras não acabo por avaliar melhor a consistência das mesmas? (Aproveitando ao mesmo tempo para avançar a redacção da tese).
Agora já é tarde, hora de dormir. Amanhã será dia de procurar pela análise das emoções nos textos de Aristóteles. Seguidamente, procurar transpor as investigações para Pascal e, quem sabe, um dia construir uma personagem, um monólogo ou até um pequeno guião.
Por fora a personagem poderá ser isso mesmo, uma máscara, uma aparência de um humano completo ou pelo menos com um carácter de possível existência. Lá por dentro não será mais do que um composto anatómico de cuidado-de-si, vontade de bem, poder, verdade, emoções e faculdades intelectuais. É a relação entre a pele, qual saco, e os órgãos, músculos, ossos e veias em que se sustenta a vida.
Entre outros factores ocultos, resta saber também o que é o autor no meio disto tudo.
Gravura: Anatomia do corpo humano, Juan Valverde de Amusco, Rome, 1559.
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