Promiscuidades do juízo
“… o membro da assembleia e o juiz têm de se pronunciar imediatamente sobre casos actuais e concretos. Na sua apreciação dos factos, intervêm muitas vezes a amizade, a hostilidade, e o interesse pessoal, com a consequência de não mais conseguirem discernir a verdade com exactidão e de o seu juízo ser obscurecido por um sentimento egoísta de prazer ou de dor.”
Aristóteles, Retórica; Trad. Júnior, Manuel Alexandre; Alberto, Paulo Farmhouse; Pena, Abel do Nascimento; INCM, Lisboa, 1998. 1345b.
À primeira vista parece senso comum. Até o teatro de revista ou o boémio, que em toda a sua vida não leu e não pensou senão nos artigos da Bola, poderiam dizer coisas destas. Mas nunca com esta clareza, nunca numa rede de conceitos tão ampla, tão sólida, tão lúcida. Jamais com esta limpidez.
Aristóteles conduz-nos o olhar para as coisas de um modo tão simples, tão claro, tão fluído que depois de o ler é impossível continuar a olhar para elas com os mesmos olhos, com o mesmo olhar. É uma viagem contínua à realidade, sem distracções, sem divagações inúteis. Tudo a fazer lembrar o verso de Camões: “Vi, claramente visto” (Os Lusíadas, Canto V).
O texto transforma e serena aquele que o lê. No meio do caos surge a esperança de alguma ordem. No meio do desassossego surge a quietude. Torna-se possível parar, acalmar, repousar e olhar para as coisas com maior rigor e distinção.
Este texto recorda-nos que a razão é frágil, que não é asséptica. Os juízos por ela formulados estão perpassados de elementos que são estranhos à lógica e à dialéctica. Cravados com as inclinações, muitas vezes vagas e mal determinadas, da simpatia, da antipatia e do egoísmo.
A produção de juízos justos estará certamente facilitada àqueles que têm consciência destas promiscuidades psicológicas. Aristóteles expõe-as como se fossem fáceis de ver, como se não custasse nada estar atento a elas. Porém, se fosse assim tão fácil observar o que está aqui em causa, todos seriam capazes de anular com igual facilidade esta influência da afectividade na produção de juízos. Nesse caso, Aristóteles nem precisaria de recordar isto.
Aristóteles, Retórica; Trad. Júnior, Manuel Alexandre; Alberto, Paulo Farmhouse; Pena, Abel do Nascimento; INCM, Lisboa, 1998. 1345b.
À primeira vista parece senso comum. Até o teatro de revista ou o boémio, que em toda a sua vida não leu e não pensou senão nos artigos da Bola, poderiam dizer coisas destas. Mas nunca com esta clareza, nunca numa rede de conceitos tão ampla, tão sólida, tão lúcida. Jamais com esta limpidez.
Aristóteles conduz-nos o olhar para as coisas de um modo tão simples, tão claro, tão fluído que depois de o ler é impossível continuar a olhar para elas com os mesmos olhos, com o mesmo olhar. É uma viagem contínua à realidade, sem distracções, sem divagações inúteis. Tudo a fazer lembrar o verso de Camões: “Vi, claramente visto” (Os Lusíadas, Canto V).
O texto transforma e serena aquele que o lê. No meio do caos surge a esperança de alguma ordem. No meio do desassossego surge a quietude. Torna-se possível parar, acalmar, repousar e olhar para as coisas com maior rigor e distinção.
Este texto recorda-nos que a razão é frágil, que não é asséptica. Os juízos por ela formulados estão perpassados de elementos que são estranhos à lógica e à dialéctica. Cravados com as inclinações, muitas vezes vagas e mal determinadas, da simpatia, da antipatia e do egoísmo.
A produção de juízos justos estará certamente facilitada àqueles que têm consciência destas promiscuidades psicológicas. Aristóteles expõe-as como se fossem fáceis de ver, como se não custasse nada estar atento a elas. Porém, se fosse assim tão fácil observar o que está aqui em causa, todos seriam capazes de anular com igual facilidade esta influência da afectividade na produção de juízos. Nesse caso, Aristóteles nem precisaria de recordar isto.
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