Unidade das vontades
Nos últimos dias têm sido feitas entradas sobre a vontade de poder, bem e verdade. Possivelmente estas três vontades, e ainda outras que se lhes queira acrescentar, poderão ser derivadas de uma vontade unitária que as reúne a todas em si. Pascal tem um fragmento que se assemelha ao início da Ética a Nicómaco de Aristóteles. Com diferentes terminologias, parece estar em causa nos dois textos o mesmo fenómeno. Uma fonte de que todas as outras vontades poderão não ser, eventualmente, mais do que uma expressão ou derivação.
Escreveu Aristóteles: “Toda a perícia e todo o processo de investigação, do mesmo modo todo o procedimento prático e toda a decisão, parecem lançar-se para um certo bem. É por isso que tem sido dito acertadamente que o bem é aquilo por que tudo anseia”. (Aristóteles, Ética a Nicómaco; Trad. António C. Caeiro, Quetzal Editores/Bertrand Editora, Lisboa, 2004. 1094a1). Pascal, por sua vez, escreveu: “Todos os homens procuram ser felizes. Isso é sem excepção, por muito diferentes que sejam os meios por eles nisso empregues. Tendem todos a esse fim. O que faz com que uns vão à guerra e outros não é este mesmo desejo que existe em ambos acompanhado de diferentes visões. A vontade jamais faz o menor esforço que não seja em direcção a este objecto. É o motivo de todas as acções de todos os homens, até mesmo daqueles que se vão enforcar.” (Pascal, Pensées; Éd. Lafuma, §145-425).
Escreveu Aristóteles: “Toda a perícia e todo o processo de investigação, do mesmo modo todo o procedimento prático e toda a decisão, parecem lançar-se para um certo bem. É por isso que tem sido dito acertadamente que o bem é aquilo por que tudo anseia”. (Aristóteles, Ética a Nicómaco; Trad. António C. Caeiro, Quetzal Editores/Bertrand Editora, Lisboa, 2004. 1094a1). Pascal, por sua vez, escreveu: “Todos os homens procuram ser felizes. Isso é sem excepção, por muito diferentes que sejam os meios por eles nisso empregues. Tendem todos a esse fim. O que faz com que uns vão à guerra e outros não é este mesmo desejo que existe em ambos acompanhado de diferentes visões. A vontade jamais faz o menor esforço que não seja em direcção a este objecto. É o motivo de todas as acções de todos os homens, até mesmo daqueles que se vão enforcar.” (Pascal, Pensées; Éd. Lafuma, §145-425).
5 Comentários:
A vontade ao serviço da felicidade? Da felicidade pessoal mesmo que interfira com a dos outros? Lógico...daí a guerra...e a felicidade procurada por todos sem excepção?!
Nó somos a vontade.
Nós.
A palavra “todos” é uma palavra forte nas ciências humanas. Apela à prudência “científica”. Porém, não será difícil de aceitar um “talvez todos, sem excepção, aspiram à felicidade”.
As formas de procurar a felicidade, essas sim, são muito diversas, muito distintas. Tão distintas quanto a guerra e a paz. Alguns procuram o seu naco de felicidade no reconhecimento que ganham da dolorosa enumeração de todas as suas mágoas, doenças e tragédias.
Na carreira do 68, que leva ao hospital de Santa Maria, há pessoas a mendigar compaixão. Arregaçam mangas, levantam calças ou despem camisolas. Contam a histórica clínica e dizem a data de cada uma das cicatrizes. Chocam. Impressionam. Adquirem direito a um lugar sentado. Apelam à compaixão. Durante a breve carreira habitam favoravelmente na imaginação dos outros passageiros. Até na miséria que os aniquila e na dor que os fustiga encontram uma dose de felicidade, porque a “vontade jamais faz o menor esforço que não seja em direcção a este objecto”.
Isso a mim parece-me mais uma forma escondida de masoquismo em que o conceito de felicidade está contagiado pela doença do obsessão no prazer de se sentir/ mostrar/ referir que se está mal ou tudo está mal...
Acompanhando a palavra "todos" o "talvez" é uma excelente salvaguarda para não se macular o sentido da prudência científica...assim, "talvez" até tenhas razão!
É a minha vontade de o dizer!
O "talvez", o "se não estou em erro" e o "hipoteticamente" são irmãos de sangue, filhos de um encontro entre a “prudência” e a “cobardia”. Guerreiros incansáveis do compromisso, eficazes escudos dos maus textos das “ciências” humanas.
Na verdade, o “talvez” que eu introduzo é um sinal da minha fraqueza intelectual em relação ao “todos” de Pascal, ao “tudo” de Aristóteles. Admito que exista alguma possibilidade de haver alguém, alguma pessoa detentora de uma vontade capaz de fazer esforços para alcançar um qualquer mal, uma qualquer infelicidade. Porém, ainda não consigo perceber como, não tenho notícia de algum caso, julgo nunca ter experimentado isso em mim.
O masoquismo é um bom exemplo de uma dificuldade a esta tese. Mas, ainda assim, há prazer na dor, há uma qualquer forma de felicidade a partir dela. A vontade está à procura desse prazer, dessa felicidade.
A acção deliberadamente má, o roubo, o assassínio, o suicídio, são exemplos de grande dificuldade para esta tese. É aqui que os termos “bem” e “felicidade” se tornam equívocos. Requerem distinções, esclarecimentos ou até mesmo substituição. As convenções dizem que o roubo, o assassínio o suicídio são males. Há acções voluntárias de roubo, assassínio e suicídio. Assim sendo, há vontades que procuram o mal, que fazem esforços para o concretizar. Porém, ainda assim, a vontade está à procura de um qualquer bem, a posse de um novo objecto, a eliminação de um obstáculo vivo, a solução final. Para a vontade estes males são bens. O mal aparenta ser bem, parasita o bem, aparece com o seu aspecto. Daí que se possa concluir, com acréscimo de rigor, que “toda a vontade, sem excepção, está inclinada para um qualquer bem ou felicidade, seja ele aparente ou real”.
Uma expressão como “cuidado-de-si” pode ajudar a eliminar esta dicotomia e esta equivocidade do bem e do mal. O “cuidado” é uma forma de não-neutralidade ou não-indiferença que colide menos com a terminologia do bem e do mal. Alguém pode cuidar de si por forma a roubar, manipular, enganar ou fazer qualquer outra atrocidade, a si mesmo ou aos outros, mas extraindo sempre daí uma qualquer vantagem, nem que apenas aparente.
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