quinta-feira, março 30, 2006

A ver e a ser vista vou

A certa altura, em El gran teatro del mundo, de Calderón de la Barca, a Formosura diz de si mesma: “A ver y ser vista voy” (v. 724). Esta expressão contém em si o elemento base de uma das formas mais claras da vaidade: o ver e o ser visto. No fundo os elementos necessários à criação de uma imagem-de-si favorável na imaginação dos outros.
A frase contém também as tensões entre o que está à frente da câmara “a ser visto” e o que está por detrás da câmara “a ver”.
A relação entre o “ver” e o “visto” tem um carácter bastante político. A preocupação da Formosura é a de controlar o modo como a vêem, a de forjar, na medida do possível, a visão que dela constituem. Procura de algum modo dominar a opinião, impressões e sensações geradas a seu respeito.
Esta relação entre o “ver” e o “ser visto” ocupa uma parte bastante significativa das preocupações dos nossos políticos em criar a sua imagem, mas também de cada indivíduo. A intensidade da preocupação de cada um é bastante variável e há mesmo aqueles que só se preocupam em que se construa a seu respeito a imagem de que são indiferentes ao que pensam a seu respeito. Apesar de toda a autenticidade, será de acreditar que todos são influenciáveis por esta relação.
A vaidade, o marketing e a vergonha são algumas das manifestações mais evidentes desta relação. A pergunta que faço é a de saber até que ponto isto pode ser importante na criação de personagens, mas também qual o seu peso político. As obras de literatura eutópica e distópica podem ser pontos de partida para um estudo nesta matéria. Quando digo isto não me refiro apenas ao 1984 de George Orwell, à ideia de um Big Brother ao serviço do governo, mas a um elemento político presente já na República de Platão e herdado pela tradição do género.
Possivelmente, este será o tema de futuras entradas.