terça-feira, abril 11, 2006

Do Mar Grande e d'Outras Águas em Fernão Ferro

CHÃO do SUL

Navegas lesta,
destemida,
para além da barra do porto,
barca da minha vida.
Abraças o vento forte,
impetuoso e cortante.
Navegas para águas mais calmas,
para recantos sentidos,
outrora experimentados.
Saúdo-te à chegada,
quando fundeias na quietude do mar quente.
Já chegaste.
Regressaste ao chão do Sul.

(Victor Gama do Rosário
in Do Mar Grande e D’Outras Águas)

De outras águas, neste caso em outras terras, após Bairro Alto, Torres Novas e Ourém, qual "peregerinação da palavra", foi no Sul, na denominada Margem Sul, que o "Do Mar Grande e D’Outras Águas", continuou a ser apresentado.
Desta vez ocorreu no Auditório da Junta da Freguesia de Fernão Ferro (Seixal), no passado Sábado, dia 8 de Abril, local onde se juntaram os curiosos pela palavra poética e pelo tema do mar; tema esse tão querido aos habitantes deste concelho, não só pela questão da proximidade tanto com o mar como com o Tejo, mas também pela existência destas águas em simbologias, arquitecturas, lendas e costumes locais. Desde amigos, familiares e vizinhos (estas duas últimas referências relacionadas com uma das autoras da antologia, Susana Júlio, visto ser ela a "anfitriã" deste evento neste local, também seu local de residência) num ambiente agradável onde, para além da apresentação dos autores e da sua antologia, partilharam-se, também, em jeito de dissertação, poemas da dita antologia, por entre as vozes do público e dos autores. A voz como que veste a palavra escrita, atribuindo-lhe uma nuance de emoções, de sentimentos e entoações que permitem a apropriação do poema em si para o leitor, naquele seu momento, naquele mesmo lugar. A poesia deixa de ser propriedade do autor (será que alguma vez o foi?!) e passa a ser de quem a lê, de quem a sente, de quem a corteja com a voz e com o coração. Assim, esta partilha intimista do poema justifica a tal "peregrinação da palavra", tornando momentos como estes em experiências agradáveis de conhecimentos, reconhecimentos, de sorrisos e de lágrimas, mas sempre de sensação de se estar completo: a palavra é de todos.

NESTA E NOUTRAS NOITES

Escrevo no branco nocturno
a ousadia da perda e do abandono;
esvazia-se a sombra
ansiosa da procura;
cinge-se o aperto à dor;
despede-se o aconchego contrito.
Os nós por dar
jorram soltos vagueando
revirados e ocos.
E os sufocos chorosos,
incertos de auroras,
aguardam papoilas
de sonho cor-de-luz.

(Aurélia Jorge Antunes,
in Do Mar Grande e D`Outras Águas)

Umas das convidadas, Rute Morais (ex-aluna de Susana Júlio) também leu um dos seus poemas, que nos ficou como uma sensação de extrema beleza forte.
Os "ecos de maresia" (expressão parafraseada de Carmen Zita) foram embelezados pelos lindíssimos cantos medievais retirados do Martin Codax, relacionados com a temática também do mar, entoados por Helena Cruz e acompanhados à guitarra clássica por Francisco Wagner. Momentos que fizeram um eco saudosista de outros tempos no tempo de agora.

MEMÓRIA

Guardo com prazer a memória
das palavras doces de vosso olhar.
Escondo dessa memória a história
de mágoa, de remorso e de pesar
que da minha janela revivo,
sempre que paro diante de mim.
Guardo com contentamento a lembrança
das sílabas suaves de vossa mensagem.
Oculto dessa lembrança as cicatrizes
que de mim convalescente fazem
com necessidade de abrigo
nesses braços de água, sem fim.

Onde estais, que não vos vejo, amigo?
Onde estais e quando voltareis aqui?

(Carmen Zita Ferreira
in Do Mar Grande e D`Outras Águas)

Visualmente, esta temática do fluído ficou em jeito de exposição, pelas fotos diversas que captam a imagem do estado líquido, dos fotógrafos: Isabelle Santos, José Silva Pinto, Nuno Abreu e Pedro Gonçalves; exposição esta que ficará patente no auditório de Fernão Ferro, para quem quiser vir visitar estes olhares fotográficos.


ACORDAR

As fotografias daquele teu acordar
entre espuma e espelhos
- sempre te lembraste na eternidade -
aquelas montras de papel
e as luzes habituais em cidades
cinzentas
eram o sinal de uma noite
sem fim.

(Cecília Barreira
in Do Mar Grande e D`Outras Águas)
Esta partilha de emoções e de palavras terminou com o agradável momento de convívio entre todos, acompanhado pelo tradicional Porto de Honra. Um brinde aos amantes da palavra: que esta continue a circular entre nós aproximando-nos por entre os espaços dos silêncios!

DESEJO

Volta em laços d’água,
Profunda,
Onde me deixo cair
Totalmente
E me recolhes
Em leito seco
Chovendo amor
Como no primeiro dia.
Laços que aperto
Em nós de presenças quentes,
Suavemente,
Em torno do coração
Caixinha surpresa
Que te devolvo
Como criança que partilha
O seu maior tesouro.
Volta em laços verdadeiros
De dedos amantes
Triunfantes
Nos caminhos que percorrem
Sempre novos
Cada vez que se reencontram.
Mas volta.

(Susana Júlio
in Do Mar Grande e D’Outras Águas)

O próximo encontro será em Cacilhas no Café Com Letras, dia 22 de Abril, pelas 17h... Sendo assim, até breve!

1 Comentários:

Anonymous Anónimo Escreveu...

Obrigada, Wilson! (sempre atento). Parabéns à Susana, por mais este evento de divulgação.
Realmente as palavras fazem mais sentido quando partilhadas.
Até dia 22, no Café com Letras!

11/4/06 12:21  

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